Quase dois anos após o incêndio que matou dez atletas adolescentes que moravam no centro de treinamento do Flamengo, em Vargem Grande (zona oeste do Rio), nesta sexta-feira (15) o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) denunciou 11 pessoas à Justiça pelo crime de incêndio culposo (sem intenção), qualificado pelos resultados morte e lesão grave. O incêndio no Ninho do Urubu, como é conhecido o centro de treinamento, ocorreu em 8 de fevereiro de 2019 e, além da dezena de mortos, causou lesões graves em outros três adolescentes. Agora, a Justiça vai decidir se aceita ou não a denúncia. Se aceitar, os acusados se tornarão réus e ficarão sujeitos a penas de até seis anos de prisão.
Entre os acusados pelo MP-RJ estão Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Flamengo na época da compra dos contêineres que serviam como alojamento, e Marcus Vinícius Medeiros, que era monitor dos atletas da base e deveria estar no alojamento acompanhando os adolescentes.
A denúncia oferecida pelo Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor e distribuída à 36ª Vara Criminal da capital descreve uma série de irregularidades e ilegalidades. Aponta que houve desobediência a punições administrativas impostas pelo Poder Público por descumprimento de normas técnicas, ocultação das reais condições das construções existentes no local durante a fiscalização do Corpo de Bombeiros, contratação e instalação de contêiner em discordância com regras técnicas de engenharia e arquitetura para servirem de dormitório dos adolescentes, falta de manutenção das estruturas elétricas que forneciam energia ao contêiner, inexistência de plano de socorro e evacuação em caso de incêndio e não atendimento das manifestações feitas pelo MP-RJ e pelo Ministério Público do Trabalho para preservar a integridade física dos adolescentes.
Segundo o MP-RJ, não houve situação de caso fortuito ou força maior capaz de afastar a responsabilidade dos denunciados, e a s condutas dos acusados foram as únicas causas do incêndio. “O Flamengo dotou o Centro de Treinamento de investimentos vultosos em infraestrutura entre 2012 e 2019, mas continuou mantendo os atletas da base em contêineres. Tais alojamentos da (categoria de) base não foram registrados como parte do projeto de licenciamento, mas sim montados em estruturas móveis clandestinas e produzidos sem as devidas cautelas quanto à estrutura de evacuação, luzes de emergência, disposição de portas, gradeamento das janelas e dotação de extintores de incêndio, deixando de observar as cautelas necessárias para a fuga dos atletas e a contenção de eventual início de incêndio no alojamento, incrementando o risco do resultado por negligência”, acusa a denúncia.
A ação penal ajuizada relata, ainda, que antes do incêndio o Centro de Treinamento havia sido interditado pelo fato de o Flamengo exercer ilegalmente atividade no local. Destaca, ainda, que em 2015 o MP-RJ ajuizou ação civil pública pedindo a interdição imediata do alojamento da base do Flamengo justamente por conta da sua estrutura precária e da ausência de monitores treinados e adequados para cada grupo de dez jovens, inclusive durante o período noturno, dentre outras irregularidades.
Segundo o MP-RJ, o então presidente Bandeira de Mello optou por não cumprir a disponibilização de um monitor por turno, para cada dez adolescentes residentes, e por não adequar a estrutura física do espaço destinado a eles às diretrizes e parâmetros mínimos. Segundo a denúncia, ele tinha plena ciência do estado de clandestinidade administrativa dos módulos habitacionais. Ainda segundo o MP-RJ, os outros denunciados também incrementaram o risco, ao deixarem de tomar cuidados necessários e adotarem condutas que caracterizam imperícia.
Para o promotor de Justiça Décio Alonso, responsável pela denúncia, as ações e omissões dessas 11 pessoas levaram à ocorrência do incêndio. “Entendeu o MP-RJ que a correta investigação conduzida pela Polícia Civil conseguiu reunir os elementos probatórios indicativos de condutas previamente pretendidas ou admitidas, sendo fruto da concorrência de condutas negligentes, imprudentes e desprovidas de perícia dos denunciados em seus respectivos campos decisórios, como a gerência da agremiação, atividade empresarial e técnica, manutenção de instalações e equipamentos e vigilância dos adolescentes, que criaram uma condição de risco proibido, que impunha cessação imediata, mas foi postergada até o evento fatídico”, explicou.
Resposta. Em nota, o Flamengo afirmou que “está acompanhando o processo judicial envolvendo a eventual responsabilização criminal pelo incêndio do Ninho do Urubu e tomou conhecimento do oferecimento da denúncia pelo MP. O clube está à disposição da Justiça, como sempre esteve, e acredita que será feita justiça. O clube prefere não se manifestar sobre o mérito, haja vista sua plena confiança na Justiça”. O Estadão tentou localizar os denunciados, sem sucesso até a publicação desta reportagem.
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