sexta-feira, 26 de março de 2021

88% dos intubados com covid em fevereiro morreram no Brasil

Dos internados por covid com ventilação respiratória invasiva em fevereiro, 87,9% morreram, mostra levantamento realizado pelo Poder360. É o pior mês desde o início da pandemia. A situação vem se agravando desde dezembro.

Estudo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) publicado em janeiro na revista Lancet mostrou que 80% dos intubados em 2020 morreram no Brasil. O Poder360 reproduziu a metodologia da pesquisa para 2021 e constatou agravamento da situação.

Considerando os intubados no mês de novembro, 80,2% morreram. Esse número subiu para 82,7% em dezembro, 85,3% em janeiro e atingiu seu maior patamar com 87,9% em fevereiro.

Dos 10 Estados em pior situação, 8 estão nas regiões Norte e Nordeste do país. Essa comparação considera o período de março de 2020 a fevereiro de 2021. Em Santa Catarina, onde a situação é a menos grave do país, morreram 7 de cada 10 pacientes intubados.

Há poucos estudos sobre o tema com dados de abrangência nacional. Entre os que existem, o Brasil se sai mal. Itália (52% de mortos depois de intubação) e Alemanha (53%) têm taxas menores.

O pesquisador da Fiocruz Fernando Bozza, autor do estudo original, elenca alguns dos fatores que levaram à piora do quadro nos últimos meses:

  • UTIs lotadas;
  • centros médicos sem condições de atendimento;
  • profissionais sem experiência de intubação;
  • burnout das equipes;
  • falta de equipamentos;
  • quebra de protocolos de boas práticas.

Bozza avalia que a situação tende a se agravar . “Vimos o colapso na região Norte e algum colapso na região Nordeste. Agora, estamos vendo uma evolução de colapso para todo o sistema de saúde brasileiro. Tem a sincronização da epidemia em todas as regiões e nas capitais”, afirma.

Segundo o pesquisador da Fiocruz, a piora do cenário poderá se dar de forma rápida. “A perspectiva para abril e maio é muito ruim. Se não aprofundar as medidas de contenção neste momento, não vai ter tempo hábil para o processo de vacinação fazer diferença. O que funciona é que as pessoas fiquem em casa e façam a sua parte”, diz.

Essa também é a opinião do médico Rodrigo Biondi, presidente da regional do Distrito Federal da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira). Ele avalia que aumentar as restrições à circulação de pessoas é a única solução possível neste momento. “Não seria necessário lockdown se as pessoas respeitassem regras de distanciamento e de uso de máscaras. Mas elas não cumprem isso”, afirma.

Biondi considera impossível aumentar o número de leitos de forma eficaz a curto prazo. Muitos dos que já foram implantados recentemente contribuem de forma precária para a cura dos pacientes. O maior problema, diz o médico, está na escassez de profissionais, incluindo médicos e enfermeiros. “No Reino Unido havia 1 enfermeiro por paciente antes da pandemia. Agora há 1 para 3 pacientes e eles dizem que é impossível trabalhar. No Brasil a legislação permite 1 para 10 e estamos com situações muito piores do que isso”, afirma.

O médico intensivista diz que o percentual de morte de intubados que o Brasil atinge neste momento é algo inédito. “Normalmente a taxa fica entre 15% e 20%”. Destaca que muitos dos intubados não estão em UTIs, mas em enfermarias e até mesmo em unidades de atenção primária. “Eles são excluídos da contabilização da fila para entrar na UTI, mas não deveria ser assim

Bozza chama atenção para o fato de que a situação do atendimento atual dos casos mais graves piora a chance de sobrevivência, que já é baixa. “ A UTI tem uma capacidade de funcionamento considerando uma situação onde nem todos os doentes estão intubados. Quando você passa a ter todos os doentes intubados, a sobrecarga de trabalho é tanta que as pessoas não dão conta”, diz

Segundo Biondi, em situações normais cerca de 40% dos pacientes de UTI são intubados. Atualmente há 100% de intubados em UTIs de covid.

A situação de sobrecarga de trabalho, aliada a alguns profissionais na linha de frente sem experiência nesse tipo de atendimento e falta de insumos, destacam os médicos, leva a uma situação de burnout, onde protocolos e boas práticas de sedação e de controle de infecção, que aumentam a sobrevivência em UTIs, vão sendo quebradas. “A chance de erro aumenta muito”, afirma Biondi.

METODOLOGIA

Poder360 refez parte do levantamento publicado na Lancet e analisou pacientes com covid-19 que passaram por intubação de março de 2020 a fevereiro de 2021. Só foram considerados os 106.351 casos com desfecho conhecido (alta ou morte) na base de dados Sivep-Gripe do Ministério da Saúde. Informações preliminares de março de 2021 não foram usadas porque ainda há muitos pacientes sem desfecho conhecido, o que pode alterar o resultado.


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