Pesquisadores americanos e europeus conseguiram usar um método bem conhecido para identificar com precisão a presença de anticorpos contra o novo coronavírus no sangue humano. Os resultados, que ainda são preliminares, indicam um caminho promissor para mapear as pessoas que já foram infectadas pelo vírus e desenvolveram imunidade contra ele, informação que pode ser crucial no combate à doença a médio e longo prazo.
O grupo capitaneado por Florian Krammer, da Escola de Medicina Icahn, no Hospital Mount Sinai (Nova York), divulgou os dados no site Medrxiv, que é dedicado ao armazenamento dos chamados “pré-prints”, ou seja, versões iniciais de estudos que ainda não passaram pelo crivo de outros pesquisadores antes de serem aceitos para publicação numa revista científica. Portanto, é possível que as conclusões sejam alteradas conforme a pesquisa passa pela chamada revisão por pares.
Quando o organismo humano enfrenta a invasão de parasitas como vírus ou bactérias, ele costuma produzir anticorpos, moléculas cuja estrutura bioquímica é “projetada” para neutralizar moléculas produzidas pelo invasor. Esse processo certamente está acontecendo no mundo todo neste momento, conforme a infecção pelo vírus da nova doença, o Sars-CoV-2, segue seu curso e se encerra após algumas semanas.
Krammer e seus colegas usaram amostras coletadas antes do início da pandemia e outras obtidas de três pacientes que tiveram a Covid-19 para ver se conseguiam “pescar” anticorpos específicos contra o novo vírus. Tais anticorpos são os responsáveis por neutralizar a chamada proteína da espícula do Sars-CoV-2 (também conhecida como proteína S). Trata-se de uma espécie de gancho molecular que o vírus usa para se conectar a um local específico das células humanas.
Para isso, eles empregaram um exame do tipo Elisa, muito usado no ramo. No caso, cópias da proteína S fabricadas em laboratório (e ligeiramente modificadas para aumentar a eficiência do ensaio) são colocadas numa placa especial. As amostras obtidas dos pacientes reagem com a proteína S e, caso elas contenham os anticorpos, eles ficarão grudados na proteína S, confirmando então a presença da reação imunológica (de defesa) diante do vírus.
O teste conseguiu distinguir com facilidade as amostras obtidas antes da chegada da pandemia das de pessoas que tiveram a Covid-19. Mais importante ainda, também não houve ambiguidade no caso de pessoas que já tinham sido infectadas por outros tipos de coronavírus que circulam há muito tempo na população humana, causando resfriados. Exames errados por causa da chamada reatividade cruzada —ou seja, anticorpos produzidos para combater um tipo de coronavírus reagindo com proteínas de outra variante— estão entre os obstáculos que essa tecnologia precisa vencer antes de ser usada de forma ampla.
Testes desse tipo não servem para acompanhar o avanço da pandemia em tempo real —embora os anticorpos tenham sido detectados a partir de quatro dias depois do início dos sintomas, isso não é suficiente para rastrear contatos e isolar pacientes com eficácia.
Segundo Krammer, a importância do teste de anticorpos é, em primeiro lugar, saber quem já está imune ao vírus na população, em especial entre os profissionais de saúde. Os que já têm imunidade poderão trabalhar mais tranquilos e, principalmente, não transmitirão o vírus para novos pacientes. Os anticorpos obtidos a partir das pessoas que se curaram também podem ter uso terapêutico no futuro, além de ajudarem a entender os efeitos precisos do coronavírus sobre o sistema de defesa do organismo.
“Outra mensagem importante do trabalho é que parece que todos temos sistemas de defesa ‘ingênuos’ diante do Sars-CoV-2, ou seja, não temos imunidade nenhuma contra ele.” Conforme a pandemia avançar, será importante entender como essa imunidade vai se espalhar pela população.
Isso, é claro, se a imunidade ao vírus de fato for permanente. Considerando o exemplo dos vírus influenza, causadores da gripe, não é impossível que a evolução do vírus, numa escala de alguns anos, produza novas variantes que não seriam mais combatidas com a mesma eficácia pelo sistema imunológico, levando a reinfecções. É por isso que as pessoas tomam a vacina da gripe todos os anos.
Uma possibilidade mais preocupante são relatos de casos, por enquanto esparsos, nos quais a Covid-19 parece ter voltado depois de uma aparente cura, após semanas ou poucos meses. A hipótese predominante hoje, porém, é que isso não seria uma reinfecção de curto prazo, mas uma falsa cura: o vírus teria se protegido em reservatórios do organismo e voltado a agir com mais força depois de algum tempo. Só mais dados permitirão que os cientistas verifiquem o que está acontecendo de fato.
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