quarta-feira, 28 de março de 2018

Deputados apresentam PEC para autorizar prisão em segunda instância



O líder do PPS na Câmara, deputado Alex Manente (SP), protocolou nesta terça-feira (27/3) proposta de emenda à Constituição para permitir expressamente a prisão depois de condenação em segunda instância.

Como a presunção de inocência é cláusula pétrea, especialistas entendem que só é possível fazer tal mudança com a elaboração de uma nova Carta Magna. Além disso, a tramitação da PEC 410 ficará suspensa enquanto durar a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro.

O texto quer mudar o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal: ao invés de declarar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado, o dispositivo passaria a antecipar essa presunção até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso.

O autor da ação afirmou que pretende mobilizar a criação de comissão especial para debater o assunto. “Podemos deixar o texto pronto para votação para quando acabar a intervenção”, disse. A Constituição Federal não pode ser emendada durante a decretação de estados de sítio, de defesa ou de intervenção federal.

Alex Manente colheu 140 assinaturas apenas nesta terça. Na segunda-feira(26/3) eram 50 nomes. Ele atribui o crescimento do apoio à proposta à entrevista do juiz federal Sergio Moro ao programa Roda Viva, exibido pela TV Cultura na noite de segunda. “Moro deu exposição ao tema. Vários deputados chegaram até mim depois de ontem”, contou o líder do PPS.

O juiz afirmou, no programa, ter esperança de que o Supremo Tribunal Federal mantenha o precedente atual. Caso contrário, sugeriu que os brasileiros cobrem dos candidatos o que chamou de “uma posição contra a corrupção” ou ainda que uma emenda constitucional restabeleça a execução antecipada de pena. Para ele, “não se trataria de enfrentar o Supremo”.

Cláusula pétrea

No entanto, a presunção de inocência não pode ser alterada por emenda constitucional, como desejam Sergio Moro e Alex Manente. Como direito individual, é cláusula pétrea, segundo o artigo 60, parágrafo 4º, IV.

Para o criminalista Fernando Augusto Fernandes, a sugestão de Moro é a “11ª medida contra a corrupção”, referindo às propostas apresentadas pelo Ministério Público Federal.

“O juiz Sérgio Moro lançou uma campanha pela 11ª medida do MP, a revogação da presunção inocência, que está inscrita em cláusula pétrea, no artigo 5º, LVII, da Constituição. Como não é possível a mudança de cláusula pétrea, o juiz pode estar propondo a revogação da Carta Magna.”

O jurista Lenio Streck também diz ser impossível alterar o artigo 5º, LVII, por emenda constitucional. Isso não quer dizer que não se possa prender após condenação por tribunal, ressalta o colunista da ConJur. Nem que a discussão de matéria de fato se esgota na apelação.

"Tem uma lenda urbana que se formou que é o seguinte: nunca esteve proibido, nem depois de 2009 [quando o STF definiu que a pena só poderia ser executada após o trânsito em julgado], que se prendesse alguém. Se fosse verdadeira a tese de Moro e companhia, ninguém teria sido preso depois do segundo grau desde 2009. Não é verdade isso. Sempre se prendeu pessoas."

O problema, para Streck, é a tentativa de tornar automática a prisão. "Isso também é uma lenda urbana, como eu já demonstrei — o próprio Supremo tem precedente que admite a discussão de matéria fática em todo o processo, mesmo em Recurso Extraordinário."

Mudança dos ares

Na justificativa da PEC, o autor da proposta defende que a prisão depois de condenação em segundo grau foi proibida como medida reativa diante dos excessos do regime militar (1964-1985), “muito difíceis de cicatrizar no seio da sociedade e no âmbito íntimo dos cidadãos”.

“A necessidade de inserir garantias processuais contra prisões e condenações arbitrárias no primeiro texto constitucional da redemocratização tornou-se premente para a sociedade e para seus representantes na Assembleia Constituinte de 1987”, completou o deputado, localizando as motivações para a presunção da inocência.

Para Manente, no entanto, o cenário atual é outro e exige atualizações. “A democracia brasileira amadureceu. As instituições funcionam perfeitamente; com autonomia e dentro dos limites constitucionais. O Poder Judiciário é independente, não sofre influência daqueles que estão no poder. Não vigoram, portanto, os motivos determinantes que levaram os constituintes a adotar norma extrema que, na prática, desconsidera a independência dos magistrados de instâncias inferiores”, argumentou, na justificativa do texto.

Enquanto a PEC aguarda análise, também está pendente julgamento do STF sobre a prisão antecipada. Duas ações pedem a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que proíbe prisões antes do trânsito em julgado, a não ser em flagrante ou na aplicação de medidas cautelares. Uma das ações é de autoria do Conselho Federal da OAB e a outra, do PEN.

A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, tem resistido a colocar os casos na pauta do Plenário. O relator é o ministro Marco Aurélio.

Tramitação

Ao ser apresentada, a PEC é analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) quanto à sua admissibilidade. Se for aprovada, a Câmara criará uma comissão especial especificamente para analisar o conteúdo da proposta.

A comissão especial tem o prazo de 40 sessões do Plenário para dar um parecer. Depois, a PEC deverá ser votada pelo Plenário em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre uma e outra votação. Para ser aprovada, precisa de pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações.

No Senado, ela é mais uma vez analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo Plenário, onde precisa ser votada novamente em dois turnos. PECs não precisam de sanção presidencial.

A última mudança na Constituição ocorreu em dezembro de 2017, com a Emenda 99, que estendeu de 2020 para 2024 o prazo para estados e municípios quitarem precatórios.

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